Em Da Gente, primeiro disco da cantora desde É Melhor Ser (2013), Simone volta a percorrer a trilha do afeto, por meio do olhar cuidadoso a compositores do Nordeste e pela temática das 12 músicas que pinçou para o repertório.
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Amores, encontros e reflexões sobre os dias de hoje, em que começamos a retomar o contato pessoal com quem amamos, dão o tom deste novo trabalho. “A vida sem os afetos não vale a pena. O que me salvou na pandemia foi o lado afetivo, o que veio de mim e o que veio pra mim. Espero que este trabalho Da gente cumpra uma rota sentimental que faz falta nos nossos dias, do coletivo, do grupo, da amizade, da confiança.”
A ideia de fazer um disco apenas com canções de autores nordestinos vem de 2015. “Eu já tinha comentado sobre isso com algumas pessoas, porque eu sou nordestina. Tinha até um título: Por Ser de Lá, verso de Lamento Sertanejo, de Gilberto Gil e Dominguinhos”. Uma dessas pessoas era Zélia Duncan. O plano ficou em suspenso em meio à agenda de shows, mas em 2021, Zélia disse à amiga que ela precisava conhecer uma pessoa: Juliano Holanda, compositor, diretor e produtor pernambucano que vem se destacando na cena contemporânea da música brasileira.
A partir daí, o disco foi tomando forma, com Zélia na direção artística e Juliano assumindo o posto de diretor e produtor musical. As primeiras conversas entre os três foram virtuais e aos poucos o repertório foi sendo montado, sem preocupação com ineditismos. Boa parte das canções escolhidas são de autores contemporâneos, a maioria deles mulheres. E a sonoridade do álbum também traz uma novidade: não há piano ou teclados, instrumentos que estão presentes em toda a discografia da cantora, que em Da Gente foi acompanhada por Holanda (baixo e violão de aço), Webster Santos (violões) e Rapha B (bateria, udu, clave e ganzá). “Durante a gravação eu percebi que o piano não estava me fazendo falta. Os músicos me cercaram musicalmente de uma maneira muito forte”, diz Simone, ressaltando que o entrosamento entre todos foi fundamental para o bom andamento dos trabalhos — o período de permanência no estúdio da Biscoito Fino foi de 10 dias, em agosto de 2021.
Haja Terapia, música de Juliano, foi escolhida para abrir o disco. É um retrato desses tempos pandêmicos em que o mundo parece ter parado. “Haja Terapia chamou muito a minha atenção, não só pelo fator pandemia que a gente ainda está vivendo, mas porque, além de tudo, a música é muito bonita. Ela cria imagens fantásticas. Fiquei impactada e muito emocionada. Quando você fatia o tempo nas terapias, vê também o tempo das coisas. E acho que ele correu mais a favor e de forma íntima para me ajudar a botar os meus demônios para fora”, explica a cantora. Juliano também fez, com Zélia, o xote estilizado Boca em Brasa, cujo mote foi ideia de Simone. “No primeiro encontro virtual entre nós, eu disse a Zélia e Juliano que eu tinha o título de uma música: Boca em Brasa”, relembra. Os parceiros toparam a empreitada e fizeram uma música forte sobre o desejo, característica que também está presente em Por Que Você Não Vem, de Joana Terra e PC Silva. “A Joana estava na casa do Juliano durante uma reunião virtual nossa e cantou essa música”, conta Simone sobre a canção cujo eu-lírico convida o par para uma aproximação. PC ainda assina sozinho Imã, de acento folk, uma súplica pela volta da pessoa amada.
A obra de Martins e Isabela Moraes, dois pernambucanos, já estava no radar de Simone há algum tempo. Dele, a cantora escolheu A Gente se Aproveita, de interpretação delicada. Já Você Distante, de Moraes, é um xote que mostra como, “às vezes, para evitar a confusão, melhor é a separação”. Apesar de nascida na Bahia, Karina Buhr foi criada em Pernambuco e também está presente no álbum como autora. Amor Brando, que ela gravou em 2012, ganhou uma festiva leitura de Simone, com toques de afoxé. “É uma graça essa música. Mas a gravação da Karina é muito diferente da que a gente fez. Houve o trabalho de achar um caminho que fosse confortável para eu cantar”, conta a cantora.
Para Escancarada, de Gean Ramos (pernambucano descendente do povo Pankararu) e Rogéria Dera, Simone optou por uma interpretação mais expansiva e adequada à canção em que adverte: “Quer sair/Saia/Mas passe o perfume/Aquele perfume/Que marque o caminho caso queira voltar”. Para encerrar o disco, escolheu Naturalmente, parceria da paraibana Socorro Lira com Roberto Tranjan, da qual a cantora tirou o título do disco, uma música que fala sobre tudo o que é essencial para o bem-estar coletivo. A interpretação de Socorro, lançada em 2019, comoveu Simone. “A voz dela parece um algodão, de tão doce”.
Mas Da Gente também conta com canções de autores da geração de Simone. Ela ouviu o disco que Fagner e Zeca Baleiro fizeram em 2003 e de lá pescou Dezembros, assinada pelos dois com o letrista Fausto Nilo (autor de grandes sucessos da carreira de Simone, como Um Desejo Só Não Basta e Pão e Poesia). Apesar de escrita há 20 anos, a música ganha novo significado por falar de distância e de “ver a morte assim tão perto”. Já Estilhaços, de Cátia de França e Flávio Nascimento, intitulou o segundo álbum da compositora paraibana, de 1980, e é um dos momentos mais alegres do disco. Afinal, os estilhaços aqui são de amor. “Cátia é de uma força extraordinária, as melodias dela são fantásticas”, diz Simone.
Compositora bissexta, Simone havia apresentado em uma de suas lives uma música própria: Nua, parceria com o poeta português Tiago Torres da Silva. A princípio, a cantora não cogitava incluí-la no repertório, mas foi convencida. “Minha música só entrou por imposição de Zélia, Juliano e Webster”, diverte-se, reconhecendo que a sensualidade da canção se encaixou bem no conjunto da obra.
Da Gente também dá o pontapé inicial nas comemorações dos 50 anos de carreira de Simone, em abril de 2023. “Espero fazer shows, estou há mais de dois anos sem pisar no palco”, afirma a cantora, ansiosa por um reencontro presencial com o público. Afinal, ela sempre foi uma cantora da gente. Do povo brasileiro.
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