Rock
Roger Waters recebe família de Marielle Franco e leva discurso político a novo nível em retorno ao Rio
Roger Waters é sinônimo de críticas às desigualdades, empoderamento, e mais uma série de questões. No Brasil desde o dia 9 de outubro apresentando sua mais nova turnê, o cantor e compositor britânico vem realizando apresentações avassaladoras, com direito a muito posicionamento político. Após se apresentar em duas noites em São Paulo para um público de 45.500 pessoas no primeiro dia, 40 mil no show extra, 54.390 em Brasília, 30 mil em Salvador e 51 mil no Mineirão, em Belo Horizonte, foi a vez do lendário Estádio Jornalista Mario Filho, o Maracanã, receber de volta uma das maiores turnês já passadas pelo país.
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Aos 75 anos e com mais de 5 décadas dedicadas à música, Roger combina clássicos do Pink Floyd e de sua carreira solo na turnê “Us + Them“, que conta com clássicos eternizados pelo artista.
O Show
Com uma estrutura sem igual, que contava com um grande telão com dimensões que iam de uma extremidade à outra do estádio, Roger Waters subiu ao palco ao lado de seus oito músicos por volta de 21h20, cerca de 20 minutos após o horário previsto, o que já era de se esperar. A grande tela, que exibia imagens em alta definição, servia como uma espécie de introdução para o concerto, abrindo o apetite dos fãs. Vestindo roupas pretas, o britânico esbanjou leveza em sua chegada ao palco, em estreia no Maracanã.
Não foi exatamente a estreia nos palcos cariocas, já que contabiliza diversas passagens e apresentações pelo Rio de Janeiro. Mas após dois shows na Praça da Apoteose, no Centro do Rio, em 2002 e 2007, e uma passagem posterior em 2012 para apresentação no estádio do Engenhão, Waters fez, enfim, um debut em local à altura, na Cidade Maravilhosa.
Entoando clássicos de sua carreira com o Pink Floyd, o roqueiro dedicou quase toda a primeira parte do show a performances sensoriais, abusando do seu incrível domínio das cordas de seu amado baixo e sua idolatrada guitarra, que entre dedilhadas, “gritava” a la Rock n’ Roll. Já na primeira faixa, “Breathe“, o astro foi deixando um gostinho do que estaria por vir.
Clássicos
E foi nesse momento em que clássicos como “One of These Days“, de 1971, “Time“, icônica faixa do álbum “Dark Side The Moon“. Roger Waters, levemente à vontade no palco, seguiu para o lado direito do palco para ter seu primeiro contato próximo com o público. Foi o primeiro dos diversos momentos de troca direta de afabilidade entre o músico e seus súditos.
E é exatamente dessa maneira que, despropositadamente, Roger Waters se porta no palco: como um maestro regendo sua orquestra, que não pestanejou em nenhum momento e atendeu todos os chamados do músico.
Não ficaram de fora, ainda, outras grandes faixas eternizadas pelo músico como “The Great Gig in the Sky” e “Welcome to the Machine“.
Carreira Solo
Logo após uma enxurrada de clássicos, chegaram suas faixas solo. Apreciadas por muitos e desconhecidas por outros, que mais buscavam ver o ex-líder do Pink Floyd em ação, Roger Waters fez os fãs mais assíduos desfrutarem de sucessos mais recentes de sua carreira, como “Déjà Vu“, “Last Refugee” e “Picture That“, que chegaram mostrando toda a versatilidade musical do artista.
Durante toda a apresentação, Waters contou com seu time incrível de músicos que o acompanha na “Us + Them” Tour, mostrando bastante entrosamento e afinação musical, o que já era de se esperar visto que Roger Waters é um dos maiores músicos de todos os tempos – seus acompanhantes não poderiam mostrar algo diferente -.
Estrutura
Poucas vezes, no Brasil, um palco tão bem montado deu o tom em uma apresentação. Conhecido por receber etapas defasadas de turnês de sucesso em todo o mundo, é normal que alguns artistas deixem de lado as gigantes estruturas quando chegam por aqui – o que não é o caso do artista -. Com um telão com dimensões incalculáveis ao fundo do palco que percorria de uma extremidade à outra, que exibia imagens marcantes e detalhes incríveis definitivamente pensados para a turnê, foi um espetáculo por si só. Não que o astro precise disso, claro, mas é importante ver que, com tantos anos de carreira, o músico investe e pensa em todos os detalhes visuais – e são muitos! -.
Há uma série de adereços que contemplam toda a apresentação, desde os clássicos fogos de artifício e efeitos de fumaça, a um porco inflável percorrendo todo o estádio e a representação de uma prisma – símbolo do Pink Floyd – criada com efeitos de laser, em 3D, gerando uma integração sem igual. Sim, de fato um espetáculo lindo de se presenciar e difícil de escrever, inesquecível.
O sucesso estava nos pequenos detalhes. Para que a chuva que caíra no Rio de Janeiro não atrapalhasse o show, uma pequena tenda de plástico foi montada acima da banda, que se dispunha na parte central do palco. Estrategicamente posicionada, rendeu aos músicos um local afável para a apresentação, que se uniu ao tom acolhedor do público carioca. Mas se engana quem pensa que Waters ficou limitado ao espaço. O artista percorreu toda a extensão do stage em diversos momentos, se locomovendo de lado a outro envolvido sob gritos dos fãs.
Militância
Com um histórico de militância e posicionamento político terminantemente difundidos, que lhe rendem, há tempos, críticas a regimes e figuras políticas como o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que chega a ter um segmento do show dedicado a críticas a sua pessoa e discursos, que causam polêmica em todo o mundo e geram discussões tanto para apoio quanto para críticas.
E o cenário não podia ser melhor para o cantor difundir seus pensamentos de igualdade, aceitação, e pró-erradicação da pobreza, que recebe atenção especial em diversos momentos da apresentação.
E foi esse momento em que o artista recebeu no palco diversas crianças cariocas da ONG EducaGente, da Associação Beneficente São Martinho. Os jovens, que foram convidados pelo próprio cantor, subiram ao palco vestindo macacões na cor laranja, comuns aos que são usados em prisões nos Estados Unidos, cada um com uma numeração. Com uma espécie de pano preto na cabeça, eles protagonizaram um momento pró-libertação de direitos, quando encenaram a destruição do sistema e ruptura, ao “rasgarem”os macacões. Em baixo, trajes pretos com a palavra “Resist” alertavam para a resistência perante aos problemas descritos e enfrentados na sociedade.
Marielle Franco
Antes do final do show, Roger Waters chamou ao palco a família da ex-vereadora Marielle Franco, morta à tiros em uma rua da zona central do Rio. O crime, que ainda não foi esclarecido, vem sendo tratado pelas autoridades policiais como “crime político”, onde “nenhuma das outras hipóteses foi destacada”.
“Marielle Franco acreditava nos direitos humanos como eu acredito, mas infelizmente nem todos no mundo acreditam” – Roger Waters.
“Nem Fodendo“
Após exibir, em seu show em São Paulo, um texto contra o candidato à presidência do Brasil, Jair Bolsonaro, Waters se viu censurado quando, em seu show seguinte, não pôde exibir o nome do presidenciável no telão. Após mostrar a censura, o cantor mudou o discurso.
No telão foi exibida a mensagem “Nem Fodendo“, em menção ao movimento opositor ao candidato, batizado de “Ele Não”.
O cantor vem recebendo críticas e apoio de parte da classe política e artística do país. Após chegar ao Rio, o astro se encontrou com o cantor brasileiro Caetano Velloso, para uma conversa sobre a questão política no Brasil. A entrevista foi veiculada na coluna de Velloso no site da Mídia Ninja.