Parece ser um universo paralelo em que Kurt Cobain e Clarice Lispector estão conectados por uma mesma linha narrativa. E até é, no fim das contas. Bem-vindas e bem-vindos ao Universo Cinematográfico de Manu Gavassi, fiquem à vontade. Aqui, o inesperado se conecta, se transforma, se completa. Como vocês perceberão nos primeiros dos 41 minutos do álbum visual “GRACINHA”, uma história pessoal e ao mesmo tempo lúdica sobre identidade, libertação e renascimento de Manu Gavassi.
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Lançado nesta sexta-feira (26 de novembro), com exclusividade pelo Disney+, o filme está intrinsecamente ligado à narrativa já apresentada por Manu Gavassi no álbum de mesmo nome que chegou às plataformas de streaming duas semanas antes, no dia 12.
“GRACINHA“, o álbum visual, tem direção criativa e roteiro de Manu Gavassi e co-direção dividida entre ela e Gabriel Dietrich. A produção do projeto é assinada pela F/Simas, escritório que gerencia a carreira da artista e que tambem atua como produtora de conteúdo no mercado audiovisual. A direção de fotografia foi de Nicholas Bluff, direção de arte foi assinada por Ana Arietti, a direção de coreografia ficou com Maitê Molnar, Krisna Carvalho assinou a direção de maquiagem e Carol Roquete foi a diretora de figurino.
O elenco principal conta com João Côrtes, Paulo Miklos, Ícaro Silva, Fábio Porchat, Titi Ewbank Gagliasso, Amaro João de Freitas Neto, Samuel De Saboia, João Mandarino e, é claro, Manu Gavassi. O nome dos personagens foi propositalmente omitido deste texto para evitar estragar algumas surpresas do filme.
Houve quem achasse que Manu Gavassi estava escondida em algum retiro espiritual nos últimos dois anos desde que deixou o BBB 20 após aquela participação histórica. Risos. Em vez disso, Manu trabalhava para deixar uma parte de si para trás, justamente a personagem de “Gracinha”, tanto no filme quanto no álbum produzido por Lucas Silveira. Um trabalho não existiria sem o outro.
Aliás, “GRACINHA” é tão assombrosamente autobiográfico que começou a germinar com uma música como “Eu nunca fui tão sozinha assim”, em que Manu questiona a popularidade adquirida durante a estadia na casa mais vigiada do Brasil. Ao deixar Curicica, ela se viu em uma realidade que não era familiar (a nossa, em meio a pandemia do coronavírus) e com uma tonelada de peso nos ombros graças ao ótimo trabalho de marketing realizado durante a passagem pelo reality da Globo.
E por algum tempo pós-BBB, Manu replicou a personagem que já havia vivido outras vezes, em roteiros, em atuações, em canções. Mestra do auto-deboche, ela criou “Deve Ser Difícil Dormir Sem Mim”, por exemplo, um clipe de mais de 10 minutos (alô, Taylor Swift, temos uma criadora de tendências aqui), em que se vestia como uma diva pop autoconfiante.
Neste período, Manu Gavassi entendeu duas coisas sobre si mesma: fazer piada sobre suas falhas era autodefesa; e era hora de mudar para não ser refém desta mesma personagem.
Em dezembro de 2020, escreveu “GRACINHA“, a música-título para o projeto. Em um sonho – e ela jura que foi realmente em um sonho – a narrativa do álbum visual se apresentou quase completa. A história gira em torno desta bailarina de teatro que questiona o zeitgeist e o que significa ser artista, enquanto tenta se desvencilhar de quem enxerga a arte como número. Para ela, arte é sensação, toque na pele, é dança e expressão e não ingressos vendidos.
Tudo cresceu a partir dali, quase um ano antes do lançamento. Manu apresentou a proposta para plataforma Disney+ em dezembro, no final de janeiro gravou o disco e, entre março e abril de 2021, filmou o álbum visual. Neste meio tempo, durante três meses, cursou balé contemporâneo para dar conta de todas as performance do vídeo.
Enquanto buscava uma locação, Manu se encantou pelo Teatro Municipal Casa da Ópera, em Ouro Preto. A cidade (e o espaço) ofereciam uma qualidade atemporal que a narrativa de “GRACINHA” pedia, com suas ladeiras de ruas de pedra e edificações de séculos que se passaram.
Para gravar em uma cidade com uma das maiores heranças escravocratas do Brasil, “GRACINHA” subverte a história real: no trono, como rei e rainha desta jornada, estão Loic Koutana e Anna Luiah, resplandecentes e preciosos, ampliando a narrativa do trabalho.
É impossível determinar o tempo e espaço de “GRACINHA“, porque cada personagem tenha um figurino de brilhos e cores que parecem vir de um lugar do passado, também vemos um Tamagotchi (também conhecido como bichinho virtual) e um filtro de água presente em 10 a cada 10 escritórios brasileiros que nos lembram que a vida, às vezes, é um The Office.
Por isso, a cabeça dá um nó quando encontra, meio escondido como se fosse um easter egg dos filmes da Marvel, uma citação de “Smells Like Teen Spirit”, de Kurt Cobain. Agora, aqui estamos, nos entretenha”, berrava o vocalista do Nirvana. No Universo Cinematográfico de Manu Gavassi, o trecho surge em cena no convite para a apresentação da Gracinha, cuja volta aos palcos é aguardadíssima por aquela sociedade.
Sim, é uma crítica à obrigatoriedade de entreter e, principalmente, é uma exaltação à liberdade. Já no ápice da sua jornada, a heroína lê um trecho de um texto de Clarice Lispector: “O mecanicismo exige e exige a minha vida. Mas eu não obedeço totalmente: se tenho que ser um objeto, que seja um objeto que grita”.
E tudo isso, de Nirvana a Lispector, é “GRACINHA“. Manu Gavassi se recusa a ser quem exigem que ela seja. Libertando-se de uma imagem criada para si pelos outros – e despindo-se corajosamente da personagem que usou por tanto tempo para se proteger –, ela cria um corajoso álbum visual rico em detalhes, conta uma jornada inspiradora e mexe com as estruturas do o pop brasileiro com um formato que não se vê por aqui. E falaram que ela estava em um retiro, tsc, tsc, tsc.
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