Em entrevista a Oprah no início desse ano Lady Gaga finalmente falou sobre o surto psicótico que a afastou do festival brasileiro e seu processo de recuperação.
*Por Pedro Marinho
No dia 14 de setembro de 2017, uma aglomeração (velhos tempos) lotava a calçada do hotel Fasano, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Quem estava lá esperava reviver cenas que fizeram sucesso em 2012, quando a cantora estadunidense Lady Gaga pisou pela primeira vez em território brasileiro. Naquela passagem, a artista havia pendurado declaração de amor na varanda, mandado lanches, beijinhos e flores para os fãs, passeado no Cantagalo, jogado futebol, bebido cerveja em mesinha de plástico e tatuado o nome da cidade no pescoço.
No entanto, dois mil e dezessete foi um pouquinho diferente.
Quem estava na avenida Vieira Souto na véspera da sétima edição do Rock in Rio recebeu uma notícia triste através das redes sociais. A banda Maroon 5 substituiria a headliner que não pôde sequer embarcar a caminho da cidade devido a fortes dores. Recém diagnosticada com fibromialgia, Gaga explicou que as dores que sentia não eram simplesmente devido ao desgaste da turnê, mas uma forma mais severa. Na semana seguinte, todos os shows da cantora até novembro foram adiados para que ela se recuperasse. Como chegou a esse ponto?
Contribuindo com as conversas sobre saúde mental que permeiam o Setembro Amarelo, essa publicação pretende jogar uma luz sobre o processo traumático que a cantora passou. Além disso, queremos reforçar a importância de se buscar ajuda médica profissional nessas situações; sua saúde psicológica é tão importante quanto sua saúde física.
Abuso Sexual e Negligência
Essa não foi a primeira interrupção de uma turnê mundial da cantora por motivos de saúde. Durante a Born This Way Ball Tour (2012-2013), Lady Gaga revelou que sentia dores no corpo, mas usava maconha para desligar-se da sensação. Depois de algum tempo, o desgaste físico da exigente rotina de shows fez com que a dor fosse impossível de ignorar. A cantora pagou um alto preço pela negligência e precisou operar o quadril, que apresentava rupturas consideráveis na cartilagem. Gaga usou cadeira de rodas temporariamente e cancelou o resto das apresentações da ostentosa turnê. Depois da cirurgia, porém, as dores continuaram.
Em 2014, em entrevista a Howard Stern na rádio SiriusXM, Lady Gaga falou abertamente pela primeira vez sobre ter sido estuprada aos 19 anos. O abusador era um homem 20 anos mais velho, que participava da entrada da cantora no mercado da música, por volta de 2005. Na época, a cantora não procurou ajuda e minimizou o ocorrido, considerando algo “normal” no meio da música. Além disso, o abuso durou meses e o abusador se considerava um “namorado” – uma percepção unilateral. A jovem não teve noção do impacto da ação em sua vida até encontrar o predador em uma loja, anos depois, e ficar paralisada por medo.
Assim, a cantora havia desenvolvido transtorno de estresse pós traumático (TEPT), diagnóstico que só viria a público em 2016. A condição é conhecida popularmente por afetar veteranos de guerra e sobreviventes de episódios de trauma.
Fibromialgia ou Dor Crônica
O diretor Chris Moukarbel acompanhou a vida pessoal de Lady Gaga por um ano, entre 2016 e 2017, para produzir um documentário. Gaga: Five Foot Two acompanha a gravação do álbum de estúdio Joanne e a apresentação da artista no Super Bowl LI, entre outros projetos. Enquanto isso, a cantora tentava lidar com episódios de dor incapacitante e inúmeras visitas médicas. Na época, estes episódios eram um mistério que a artista atribuía a sua cirurgia no quadril. Porém, o diagnóstico de fibromialgia chegou em meados de 2017, próximo ao lançamento do próprio documentário. A síndrome, que causa dor generalizada sem causa identificada, está ligada a ansiedade, depressão e fadiga.
A associação entre fibromialgia e o estresse pós-traumático tem sido objeto de estudo científicos na área da saúde e parece haver uma forte correlação entre os dois transtornos. Por exemplo, a TEPT causa alterações no sistema nervoso e essas alterações parecem aumentar o risco de desenvolvimento de dores crônicas.
“Devastada”: O cancelamento
Ao longo da exaustiva batalha judicial de cinco anos entre a cantora estadunidense Kesha e o produtor Dr. Luke – a cantora havia acusado o produtor de estupro e abuso – Lady Gaga declarou seu apoio à jovem. Depois de Kesha perder o processo contra o produtor, ele entrou com uma ação judicial contra a cantora por difamação. Nessa instância, Gaga foi chamada para depor em março de 2017, mas seus advogados tentaram evitar sua participação por meses. Enfim, o depoimento da artista no processo foi marcado para o mês de setembro.
No dia 12 de setembro, a cantora finalmente depôs no tribunal. Segundo a transcrição do depoimento, Orin Snyder, advogado de Lady Gaga, informou que o episódio havia demonstrado ser um gatilho para o TEPT dela. A artista estaria experimentando reações ao trauma do abuso que sofreu e por isso haveria a necessidade de fazer pequenas pausas. O advogado pediu que evitassem perguntas sobre a experiência pessoal de Gaga. E avisou que a cantora estava chorando.
No Rio de Janeiro, no dia 14 de setembro, uma estrutura diferenciada de palco já estava sendo montada para receber a estrela da primeira noite do Rock in Rio. Às seis da manhã, no entanto, a organização do festival foi avisada de que a cantora não havia embarcado. Todas as providências cabíveis foram tomadas e, três anos atrás, o Maroon 5 subia ao Palco Mundo. E o resto é história.
Enfim, abrindo o jogo
À época do ocorrido, a Lady Gaga publicou nas redes sociais que sua situação era complicada e, quando se sentisse pronta, contaria sua história de maneira aprofundada. Este ano, em entrevista a Oprah Winfrey numa série de conversas sobre saúde mental, a Oprah’s 2020 Vision Tour, a cantora finalmente explicou o processo pelo qual passou durante aquela semana de setembro e como se recuperou do traumático episódio.
Eu tive um surto psicótico. (Os médicos) estavam apenas tentando fazer com que eu me mexesse, a certa altura.
Embora os documentos do processo tenham sido disponibilizados online em 2019, a cantora nunca havia mencionado o processo em público de forma aberta.
Eu sofri um terrível gatilho em um depoimento no tribunal. A parte do cérebro que te mantém centrado, para que você não dissocie, desabou. Meu corpo inteiro começou a formigar e eu comecei a gritar. É muito difícil descrever a sensação. Mas o que acontece, essencialmente, é que o cérebro decide “para mim chega, não quero mais pensar nisso, não quero mais sentir isso”. Você se separa da realidade como a conhecemos. Você não tem consciência do que está acontecendo à sua volta.
A artista considera que os médicos que a atenderam naquele dia salvaram sua vida. Desde então, Lady Gaga trata o transtorno combinando psicoterapia, acompanhamento psiquiátrico, meditação, exercícios físicos e uma série de remédios e tratamentos para as reações ao trauma, como as dores crônicas e a dissociação. “Minha caixa de remédios parece um chocalho”, brincou a cantora. “Mas eu nunca estive tão saudável.”
Uma luta contínua
Ela aproveitou a entrevista para falar sobre a importância de eliminar o estigma sobre o tratamento com medicamentos psiquiátricos. “Se você sentir que precisa de ajuda, você deve ir a um psiquiatra para ser avaliado corretamente e receber a ajuda que realmente precisa.” O ativismo na área da saúde mental se reflete no trabalho de sua fundação Born This Way Foundation, nas redes sociais e até nas letras de seu novo disco, “Chromatica”.
Eu tenho problemas de saúde mental, eu tomo um monte de remédios para me manter bem e eu sou uma sobrevivente. Estou vivendo, lutando e sou forte. Vou compartilhar minhas experiências com o mundo para fazer dele um lugar melhor.
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