Mais livre, mais à vontade, mais rock, mais soul, mais coração aberto e eventualmente visceral. Este é o Junior que surpreende, diverte, faz dançar, faz pensar, emociona e se emociona em “Solo — Vol. 2”, álbum que completa o garimpo na leva de 54 músicas trabalhadas desde 2020, em sua casa e no estúdio Santo Som, em Campinas. Precedido pelo single e pelo vídeo de “Seus Planos”, “Vol. 2” chega sete meses depois do lançamento do primeiro volume. É um artefato pop que aprofunda as investigações existenciais e experiências de um artista com imenso talento musical e vocal, raro exemplar de artista com vocação para ser o que efetivamente se tornou: ídolo pop.
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A faixa dois (para quem ainda ouve as músicas na ordem concebida pelo artista) é a empolgante “Cena de Filme”, primeiro fruto da parceria com Thalles Horovitz, um musicão com elementos de soul rock, influência de Lenny Kravitz e um baixão — pilotado por Dudinha — que Junior define como “exageradamente podre, no melhor dos sentidos”.
Em seguida vem “Dá Pra Ser Leve”, escancaradamente soul, sem perder a conexão com o pop atual, o piano elétrico “pingado” pontuando. É uma canção na medida para destacar os vocais inspirados de Junior e os backings certeiros de Lio e Lay, do trio curitibano Tuyo. A letra fala da superação de um período difícil durante os tempos de confinamento, na pandemia. “É sobre a necessidade de descompressão, um relato do que a gente conseguiu. Eu e Mônica quase nos separamos, passamos por dificuldades”, lembra Junior.
“Soul e Suor” tem um refrão que é manifesto pessoal: “Eu só respiro e tô vivo pelo soul e suor/ Se não me inspira eu sigo sem culpa e sem dó”. Foi composta num camp criativo com Thalles, Gavi, Bibi, Aguida e Mayra Arduini, a partir de conversas sobre um tema trazido por Junior. “Fala da minha maneira de enxergar a música, de ser artista. Vou muito no ouvido e no que arrepia o braço”, explica ele. A letra fala o idioma musical (“inevitável diminuta/ e se soar estranho, escuta/ não quero ler a partitura”), dialogando com sons rústicos, de madeira e pedra raspando. É a única faixa do disco com violão e guitarra dobro (tocados por Filipe Coimbra e Dudinha).
Em seguida vem o primeiro “Interlúdio” do álbum, uma lufada de synthpop e ritmo irresistível que dura menos de um minuto (uma pena, mas certamente vai rolar muito repeat no streaming). “É uma espécie de versão sonora de stock shot de novela, uma transição”, compara Junior. Ela conduz até o rock funkeado “Tabu”, composto por duas mulheres, Mayra Arduini (“ela moeu nessa música!”, vibra Junior) e a hitmaker Bibi, junto com Lucas Vaz. Junior ficou totalmente confortável ao vestir essa criação. “Foi uma canção que mexeu comigo, no sentido de me permitir, de ser mais rock, trazer mais influências de rock’n’roll.” “Tabu” começa com coro infantil (com direito a filho e sobrinho no meio da molecadinha), tem mais um baixão precioso de Dudinha, um solo de guitarra de Filipe Coimbra na pressão total, e a ambiência visceral condizente com a mensagem. A ideia era usar a bateria programada que constava da demo, mas houve um problema com o arquivo digital. “O Marinho não estava mais com a gente no estúdio e eu falei: ‘Ah, mano, monta aí que eu gravo essa porra’”. Acabou sendo a única faixa do disco em que Junior assume as baquetas.
No mesmo clima de urgência rock, mas já em crossover para as pistas, “Fome”, expressa o apetite criativo envolvido no projeto e é valorizada por uma participação da exuberante Glória Groove. “Fiz o convite pessoalmente pra ela. É uma artista que admiro e acho foda. Tinha que ser o único feat. do disco”, conta Junior. Gloria escreveu a própria parte da letra, que inclui também um rap, ambientado em um momento de batida eletrônica Jersey, em meio a climas variados. É diversidade de qualidade.
Mas o rock reaparece logo depois, meio oitentista e com uma levada shuffle, em “Salve-se Quem Puder”. Com direito a solo épico de guitarra, a faixa mantém a voltagem alta para contar uma historinha fictícia sobre sexo e danação (ou não). O clima alegre e descontraído com que foi composta, com o povo fazendo dancinhas animadas no estúdio, está bem reproduzido na gravação.
E tome rock! “Fora da Caixa” é um desabafo escrito em parceria com Thalles: “Eu tô ficando velho ou muito louco/ pra entender o que eles consideram se divertir/ Me traz uma dose, quem sabe eu enrolo/ Segura essa pose pra foto de outro (…) Tentam me ensinar o que eu nem quero aprender”. Como define Junior, com bom humor, “sou eu sendo meio ranzinza”: “Mas, mais do que isso é uma música sobre a sensação de não pertencimento, sobre não caber em algo”.
O melhor do pop costuma combinar o pessoal e o transferível, emocionando e contagiando as pessoas. “Armadilha” tem isso; expõe o lado confessional mais denso de Junior com roupagem acessível e ao mesmo tempo moderna. É um caso de crueza poderosa: foi composta no começo do projeto e chegou ao disco com poucos retoques em cima da demo que a registrou como polaróide. A letra saiu numa canetada, em um dos caderninhos moleskine que tinha â mão, e foi prontamente registrada com a melodia, no celular.
O pop carregado de punch e ótimos vocais R & B “Abstinência” começa com uma mensagem de áudio no whatsapp e parece contar uma história sobre “uma mina que deu ghosting”, mas avança em outros sentidos como metáfora. A letra tem um lado sexy que, claro, vai mexer com o público (assim como a linha de baixo, criada por Junior). “Eu falo que estou ‘cheio de tesão’. E qual que é o meu tesão? De fazer som, de voltar a cantar. Era o artista que precisava voltar”, expõe Junior, revelando o que lhe veio como uma espécie de insight que teve depois de pronta a música. É bem por aí mesmo. O trabalho que se completa com este “Vol. 2” funcionou como terapia, desvendando emoções e comportamentos, aliviando dores e ajudando a trazer de volta o artista Junior.
No fecho, vem “Será que vai ser sempre assim”, belíssimo exemplo de um subgênero que poderia ser chamado de “balada de camarim” (como “Bastidores”, de Chico Buarque, associada a Cauby Peixoto; “Espelho do Camarim”, de Ivan Lins e Vitor Martins). Inspirada pela vivência num pós-show da turnê Nossa História, no Mané Garrincha, em Brasília, a letra lembra a adrenalina que faz ficar acordado até “cinco da matina”, o carinho do público e as incertezas com a vida de artista que segue depois da troca eufórica ao vivo. “Clareou e eu estava na sala do quarto de hotel, completamente chocado, chorando”, lembra Junior.
Um papo informal entre os colaboradores, depois de uma sessão de composição com Barbara Dias, Lucas Nage, Aguida e Thalles Horovitz, trouxe essa lembrança à tona e deflagrou a reflexão coletiva. “No dia seguinte, eles sentaram pra compor e, quando me chamaram, o Thalles começou a tocar o piano, eles cantando em grupo, e eu comecei a chorar pra caralho.” Não faltou um par de versos para calar fundo e lembrar de onde veio este artista pop com influências de soul e rock: “Será que a minha arte inspira tanto quanto as melodias que um dia meu pai cantava até amanhecer?”.
Com sensibilidade e personalidade, o “Vol. 2” termina no lugar de onde partiu o “Vol. 1”, “De volta pra casa”. É um Junior amadurecido e seguro como nunca, que encontrou voz própria, mas que avança cercado por uma nova “família” de jovens talentosos. Uma galera que reúne músicos que ele já trazia de trabalhos anteriores (o baixista Dudinha, o pianista Erik Escobar), novas parceiras que viraram amigas, como Bibi e Barbara Dias, e colaboradores em patamares diferentes da carreira. Todos em sintonia.
“Houve caras como o Pablo Bispo e o Ruxell que só puderam ficar por três, quatro dias (por morarem no Rio), mas trouxeram temperos incríveis. E também Lucs Romero e Filipe Vassão, com quem eu nunca havia trabalhado, mas que participaram de todo processo a partir do início das gravações, com quem rolou uma super afinidade e viraram grandes parceiros”, conta Junior.
Graças a essa turma nova, “Vol. 2” vai além de consolidar a identidade de um tipo de artista raríssimo no cenário nacional. É um 2 que multiplica caminhos criativos e potencializa talentos da nova geração. O pop brasileiro agradece.
Pedro Só
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