PopEntrevista
Fabrício Mascate fala sobre seu florescimento musical e racial em álbum de estreia
O cantor e compositor Fabricio Mascate lança seu álbum autoral de estreia, Flor e ser, como uma promessa de renovação na música popular brasileira. Destilando calma e delicadeza poética em meio a um cenário saturado pela pressa mercadológica, o artista combina de forma coesa influências que passam pela música erudita, caipira, baião ou xote, em dez faixas autorais que desmistificam falsas fronteiras para compor uma visão íntima e pessoal.
- Luciana Lopes Scherpel: da defesa de atletas à ascensão no mundo dos negócios
- Marcando nova fase na carreira de Isabela Souza, ‘Amor da Minha Vida’ chega hoje ao Disney+
- Com Léo Santana e Rachel Reis, Filhos de Jorge lança o álbum ‘Ninguém Tá Só’
O trabalho conta com as participações mais do que especiais de Mestrinho, Socorro Lira, Thiago Abdalla, João Paulo Amaral, Deborah Castolline e Gabriellê, além da banda formada por Fernanda Cunha (flauta transversal), João Carlos (violino) e Danilo Vicente (viola caipira). Preciosista, o compositor fez questão de compor um álbum que pudesse ser fielmente reproduzido ao vivo, mantendo a organicidade e as nuances em ambos os formatos.
Leia a entrevista na íntegra:
PopNow: Nesta entrevista, ele bateu um papo com a gente sobre como ideias, sons e identidades podem florescer na cabeça de todos aqueles que querem ser o que são.
Fabrício Mascate: O primeiro álbum de um artista é sempre muito especial, um amálgama das experiências que o conduziram até ali. Que experiências e estéticas você acha que estão sintetizadas nesta primeira leva de canções? As experiências sintetizadas no álbum são todas da minha vida, e as transcrevo nas músicas como se estivesse olhando de uma janela para tudo o que já aconteceu. É difícil resumir uma vida inteira no tempo de um CD, mas tentei pintar um quadro com algumas de minhas vivências. Esse álbum reflete, de forma indireta, essa relação com o mundo, inclusive nas faixas instrumentais. Falo de amores, da família e do bairro onde nasci e cresci, Jaraguá/Pirituba. A proposta do álbum é mostrar que até em uma viagem de ônibus, um momento corriqueiro e simples da vida, pode se tornar uma experiência reconfortante, mostrando que a vida não acontece somente em momentos excepcionais e impactantes, e que o dia a dia é o momento ideal para viver o presente e estar atento às belezas que o mundo pode proporcionar.
PopNow: Existe no imaginário social essa falsa dicotomia entre o popular e o erudito. O quão natural é para você misturar essas referências nas suas composições?
Fabrício Mascate: A música erudita é marcada visualmente por alguns instrumentos, especialmente a família das cordas, o que reforça a ideia de que certos instrumentos pertencem a um estilo e não a outro. No entanto, meu álbum traz alguns desses instrumentos, que normalmente não estão tão associados à música popular. Para mim, isso é natural, pois é o que eu ouço, com influências de compositores como Chopin, Debussy, Villa-Lobos, e também de brasileiros que transitam “entre os dois mundos”, como Tom Jobim, Guinga, Elis Regina, Mônica Salmaso e outros. O álbum pode soar incomum, pois mistura canções e faixas instrumentais, o que gera uma certa estranheza.
PopNow: Deve ser bem desafiador fazer um show que soe fiel a uma gravação. Você já produziu o trabalho pensando nessa experiência ao vivo? Isso é importante para você?
Fabrício Mascate: Sim, eu já concebi o álbum pensando no ao vivo. A sonoridade de estúdio foi planejada para ser reproduzida nos shows. Como não é uma banda grande, fazia sentido imaginar que os shows poderiam ser vendidos com a mesma proposta do CD. É muito importante para mim alcançar essa reprodução fiel ao vivo.
PopNow: Pode explicar o título do álbum?
Fabrício Mascate: O nome do álbum tem vários significados. ‘Flor e Ser’ surgiu de uma reflexão sobre minha negritude e o meu processo de me reconhecer como compositor. Inicialmente, o álbum se chamaria Devir, um conceito filosófico de Heráclito, que fala sobre como as águas de um rio nunca são as mesmas. Mas, com o tempo, a ideia foi mudando, e decidi brincar com a palavra “florescer” trazendo um novo significado. A questão da racialização foi ficando mais presente para mim, especialmente ao perceber, em alguns relacionamentos que tive, o quanto o racismo aparecia de forma naturalizada e passava despercebido. Era, então, necessário dar nascimento a uma parte mais combativa nesse sentido, e, a partir dessas vivências, uma parte mais consciente do enfrentamento dos problemas.
E aí, em algum momento dentro desse processo, eu conheci uma mulher que compartilhou uma história sobre seu cabelo. Ela, uma pessoa negra retinta, apenas depois dos seus 50 anos se descobriu negra, e me disse que seu cabelo ‘floriu’ depois disso. Eu me identifiquei com esse relato, pois passei anos mantendo o cabelo raspado para não destacar e, depois, decidi deixá-lo crescer. Assim, o nome do álbum evoluiu para ‘Florescer’, tanto pela história quanto pelas influências de poetas que tenho. Quando faço música e estou ali criando, sinto que estou ‘florindo’, e depois volto a ser um ‘ser’ comum. A ideia é essa: florir e, depois, apenas ser.
Percebo que o momento do Fabricio compositor existe somente quando estou nesse estado de “flor”, naqueles instantes em que produzo uma obra. Por outro lado, quando esse momento acaba, passo volto a simplesmente “ser”, sendo que as duas entidades estão separadas, mas, ao mesmo tempo, juntas, como no título quando dito em voz alta.
PopNow: Numa sociedade cada vez mais urgente e competitiva, como é para você manter sua arte em um lugar tranquilo e contemplativo? Qual é o maior desafio para não ceder às pressões do mercado?
Fabrício Mascate: Esse álbum representa uma fase específica da minha vida. Tenho o desejo de explorar outros estilos musicais e não pretendo me limitar ao estilo que desenvolvi aqui para sempre. No entanto, foi esse som que capturou o momento que eu estava vivendo. Quanto ao mercado, e o sentimento de estar ‘de fora’, acho que existem espaços para diferentes sonoridades, mas o desafio está em entrar neles. E acho que cada nicho, inclusive aqueles mais focados no streaming, tem suas barreiras para os músicos, não sendo uma jornada fácil também. Vejo que entre o estilo que toco e os mainstream existe, para o artista, uma similaridade em dois aspectos, quando falamos em ter acesso: primeiro, a necessidade de financiamento para realizar os projetos, pagando toda a equipe e o custo de realização; segundo, e tão importante quanto, ter contatos que te levam a acessar esses espaços para exibir seu projeto. Tendo essas duas coisas, muitos caminhos começam a se abrir. Viver de música é sempre um desafio.
PopNow: Qual é a sua faixa favorita do álbum?’’
Fabrício Mascate: Depende do dia, não é sempre a mesma. Tenho um carinho por todas elas. Às vezes é Soturno, depois Bença, Mas Passa, Vazio…. O humor é quem diz.